terça-feira, dezembro 04, 2007

Nicolinas, dia 3: O Magusto e as Posses

Novos e velhos estudantes nas posses. Fotografia das posses de 2005, obtida aqui.

Boa parte da tradição Nicolina dos dias de hoje nasceu de uma uma renda, que incluía castanhas e maçãs, paga aos coreiros da Colegiada de Guimarães em Santo Estêvão de Urgezes. Com essa renda, os estudantes faziam um magusto no Toural, para cuja fogueira os oleiros da Cruz de Pedra contribuíam com o combustível. A renda deixou de ser paga na década de 1830, com a extinção dos dízimos, mas o Magusto nicolino sobreviveu até aos nossos dias.

Um outro número das Nicolinas são as Posses, que têm lugar no mesmo dia do magusto (4 de Dezembro). As Posses andam relacionadas com o legado de Urgezes e com o costume de os estudantes, neste dia, andarem pelas casas mais abonadas de Guimarães a pedir para um lanche (ou ceia) melhorado. Com o tempo, as Posses tornaram-se num cortejo nocturno, em que os estudantes andam pelas casas exigindo que lhes dêem as posses da tradição:

Venha a posse!

E venha a posse!

A posse é nossa!

Depois de alguma insistência, as ofertas são, por regra, entregues em cestos que são descidos por cordas a partir de uma janela ou varanda. Nas Posses, os estudantes recebem ofertas que incluem figos secos, pão-de-ló, frangos, chouriços, presunto, vinho, aguardente.

Algumas das tradições destas já só persistem na memória, como a posse das uvas, na qual um estudante subia por uma velha cepa que trepava encostada a uma casa da Praça de S. Tiago, para colher um cacho de uvas, ou a do Cucusio, que Raul Brandão descreveu no romance A Farsa:

“[…] um jorro humano estaca diante dum prédio emudecido e escuro, os clamores e a música cessam e a bicha, depois de ondular, atende ansiosa. Novelos sobre novelos as nuvens continuam lá em cima a sua desordenada e eterna correria sem fito.

O pendão camarário oscila, há um baque, e, grave como quem cumpre um rito, o Testa destaca-se do grupo e avança limpando da careca o suor das grandes solenidades. Diante do prédio, no silêncio e na noite, três vezes chama:

— Cucusio! cucusio! cucusio!...

Nada. Ninguém responde, e um frémito percorre a turba que espera sempre, milhares de cabeças erguidas no ar, as bocas abertas como peixes diante da casa negra e cerrada. Para o fundo no negrume outros, e mais outros envoltos na escuridão, atendem também como quem espera um milagre. E ouve-se no silêncio a chuva cair, miúda, pegajosa, eterna. Pela fresta duma janela lá se escoa por fim uma ténue claridade — e ao fundo estremece, silenciosa e compacta, a canalha comovida e atenta, até que, avançando com imponência mais dois passos, o Testa, como quem invoca, implora e ordena, torna:

— Cucusio!...

Sente–se abrir o postigo do prédio e uma voz comovida responde afinal ao apelo:

— Pronto, meus senhores, cá está o Cucusio!...

E logo assoma ao peitoril do primeiro andar, alumiado pela chama vacilante da vela, um monstruoso traseiro — como, desde tempos imemoriais, é obrigação daquela família, na véspera do santo, transmitida religiosamente de pais para filhos, mostrá-lo à vila. A charanga ataca o hino, os tambores ao mesmo tempo rufam, os urros estrugem, o pendão oscila levado pelo Testa, no alto daquela onda[…].”

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