quinta-feira, outubro 05, 2006

5 de Outubro


Lisboa, 5 de Outubro de 1910

Toda a noite ouço o estampido brutal do canhão, que por vezes chega ao auge, para depois cair sobre a cidade um silêncio mortal, um silêncio pior. Que se passa? Distingo o assobio das granadas, e de quando em quando um despedaçar de beiral que cai à rua. E isto dura até à madrugada. De manhã as tropas do Rossio rendem-se e os marinheiros desembarcam na Alfândega. Às oito e meia está proclamada a República. Passa aqui na Rua de S. Mamede um resto de Caçadores 5, soldados exaustos, entre populares que os aclamam.

O rei fugiu. Um genro do Cayola, oficial de Infantaria 16, contou ao Maximiliano: Acompanharam-no no parque das Necessidades o Sabugosa, o Faial, o Tarouca e o Ravara. Um deles dizia-lhe: - Vossa Majestade já fez o que tinha a fazer. - O rei estava lívido e num gesto maquinal tirava e metia os anéis nos dedos.

Um farmacêutico da Ericeira assegura que o viu chegar a Mafra dentro dum automóvel. O D. Afonso embarcou no Estoril, mostrando aos que o acompanharam até ao fim uma carteira com duzentos mil réis. - É o que levo... - A D. Amélia partiu também de Sintra para Mafra. Tinha-se espalhado entre o povo que fora a rainha quem mandara assassinar o dr. Bombarda. Se a apanham matam-na.

Raul Brandão, Memórias II

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